sábado, 12 de setembro de 2020

Uma enorme lição de humildade



Não é dos meus autores preferidos - até só li um ou dois dos seus romances - mas não podia deixar de trazer aqui esta lição de humildade, atitude, qualidade que nós, portugueses, muito pouco cultivamos...

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

O grande fogo na Serra de Sinta

Nunca vou esquecer o dia e a noite de pânico que vivemos na Vila, em Sintra, e lá em casa no dia 6 de setembro de 66. Fez há dias 54 anos  (os mesmos que fez no passado 6 de agosto que conheci o meu marido).

Tínhamos a festa de aniversário de uma amiga muito próxima – e que próximo de nós morava – e lá estávamos a ajudar e a divertir. Eis senão quando o chão da cozinha abate com grande estrondo e, em frações de segundos, tudo cai numa cave deserta: a mobília, a comida, a dona da casa e a minha mãe. Grande susto! Grande pânico! Acabou-se a festa, como se pode tiraram-se as senhoras lá de baixo amassadas e com grandes arranhadelas. A dona da casa em choque. Hospital. Havia Hospital na Vila.

Atribulado regresso (especialmente da minha mãe ferida e fortemente assustada) a nossa casa, ali no sopé da Serra. E, de repente, a sirene dos Bombeiros da Vila (atual Museu das Notícias e ex-Museu do Brinquedo), ali mesmo por baixo de nós, escancara a enorme bocarra em desespero a chamar todos os bombeiros. Grande fogo na Serra. Não dá para esquecer o sufoco do fumo – que se sentiu durante muitos dias a seguir – e a sirene, que toda a noite gritou desesperada. Três enormes apitadelas furiosas de cada vez, toda a noite ali mesmo por baixo de nós.

Nessa noite morreram, cercados e encurralados pelo fogo, 21 jovens soldados do Regimento de Artilharia de Queluz.

Durante mais alguns dias o fogo continuou a abocanhar a bela vegetação de mais de metade da serra. O fumo e o cheiro na Vila eram insuportáveis.

Nesse tempo não havia batalhões de bombeiros, mas apenas voluntários, não havia grandes carros cisterna e muito menos meios aéreos de combate...











Homenagem aos soldados mortos



Homenagem na Serra


        Antigo quartel dos Bombeiros Voluntários da Vila       


domingo, 30 de agosto de 2020

As Cigarras - um texto de J. Tolentino de Mendonça

Deixamo-nos / deixo-me encantar pelos textos do poeta-cardeal. Alguns mais filosóficos, outros mais poéticos, mas sempre belos e justos.

A este não resisti: tive de o trazer para aqui de tão belo, de tão culto, de simples, de tão franciscano…

Chama-se As Cigarras

«Em Portugal, que eu saiba, o melhor lugar para ouvir as cigarras é a poesia de Eugénio de Andrade. Ao menos para mim representou o sítio onde verdadeiramente as escutei pela primeira vez. Mas nesta época em qualquer recanto, por onde quer que se vá, elas tornam audível o verão. Basta um jardim, um matagal humilde, um esconso ao aberto, um atalho mesmo que urbano, umas traseiras, um metro quadrado de calor e silêncio. Ou basta simplesmente um ouvido disponível. Coisa que depois, percebemos, não é afinal tão simples. Já Alberto Caeiro recordava:

“Não basta abrir a janela/

Para ver os campos e o rio.

Não é bastante não ser cego

Para ver as árvores e as flores.

É preciso também não ter filosofia nenhuma.

Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.

Há só cada um de nós, como uma cave.

Há só uma janela fechada...”

Ideias, caves e janelas fechadas são um arsenal mais comum do que pensamos. E é fácil deslocarmo-nos para um sítio distante do nosso mundo habitual, chegarmos a uma estação diferente e continuar aprisionados às mesmas visões ou dentro do mesmo campo acústico. Para ouvir temos, de facto, de arriscar abrir a janela, praticando uma hospitalidade para com a vida que nos surpreende com novos vozeios, nos obriga a contactar com múltiplas linguagens e a acolher outras formas de conhecimento. O verão, por exemplo, como se conhece? Num dos seus poemas, Eugénio escreve:

“Conhecias o verão pelo cheiro,

o silêncio antiquíssimo

do muro, o furor das cigarras”.

O verão tem cheiros, tem cores, come-se à mesa, espera que o escutemos. Na verdade, o mundo torna-se para nós cada vez mais desconhecido se apenas giramos com a nossa portátil filosofia e deixamos de aplicar à realidade os nossos sentidos, indispensáveis para construir aquilo que significa uma experiência.

O fascínio pelas cigarras tem raízes antigas. Em “Fedro”, de Platão, cabe a Sócrates recuperar o seu mito de origem, explicando que elas, antes de terem sido cigarras, eram homens, com uma existência em tudo igual à nossa. E que isso vigorou até ao nascimento das musas. Depois aconteceu que o obsidiante canto das musas provocou neles tal transtorno que aqueles homens não voltaram a comer ou a beber, acabando por se transformar naquilo que escutavam. Nem o estômago vazio nem a secura da garganta interromperam mais neles a dedicação à arte de cantar.

É verdade que a fábula da cigarra e da formiga arrasa com o prestígio das cigarras. Enquanto a primeira canta despreocupada, a incansável formiga acumula provisões. Quando avança o inverno, a cigarra desprovida bate à porta da formiga a mendigar um pouco de grão, mas nada obtém. Pobre cigarra que tem então de compreender, através da penúria, o preço de viver só a cantar. A fábula narra obviamente o triunfo de uma visão utilitarista do mundo, que rapidamente se disseminou por todas as dimensões da vida. O século XVII de La Fontaine afastou-se (e afastou-nos) daquela sabedoria que o medieval Francisco de Assis recomendava aos seus frades. Francisco pedia que reservassem na horta um espaço livre, não cultivado, para que pudessem brotar flores, e, desse modo, o zelo pelo útil não excluísse o perfume que lhe acrescenta o inútil. São Francisco de Assis não podia, por isso, criticar as cigarras. Pelo contrário dizia-lhes: “Vem cá, minha irmã cigarra... canta minha irmã cigarra o Deus que te criou.” A tradição monástica vai pegar nesta imagem e os monges serão chamados cigarras, pois a sua vida contemplativa não procura outra função que o louvor. Ensinam-nos tanto as cigarras. Boa escuta. 

[In Expresso - 4/7/20]



terça-feira, 25 de agosto de 2020

Uma data que nunca esqueço...

 25 de Agosto de 1988 - uma data que nunca esqueço. Do grande incêndio do Chiado, a zona de referência da minha infância, adolescência e juventude.

A minha zona das compras com a minha mãe; a Rua do Carmo, a Rua Garrett, as lojas onde nos conheciam: o Eduardo Martins, os Tecidos do Carmo, a Sapataria Hélio, o Ramiro Leão, o Último Figurino, o Aguiar, os Davids - a loja de fazendas escocês para fazermos os kilts, as Livrarias, a saudosa Sá da Costa, a velha Bertrand; as discotecas: a Melodia, a Sassetti, a Valentim de Carvalho.






Anos depois - poucos - as compras com a minha mãe, enquanto o marido ficava a ler o jornal e a entreter as filhas na rua.... 

Mais ou menos assim...



E,depois, num final de Agosto, de fim de férias em São Pedro de Moel, entra-me casa dentro uma outra amiga lisboeta de alma e coração a chorar porque soubera que o seu, o nosso Chiado estava em chamas...

Ligámos a televisão e todo o dia chorámos ela, eu e a minha mãe por aquele pedaço de Lisboa tão nosso, tão carismático, tão vivido.  E não deu mais para esquecer...





Não por isso (mas também) posso afirmar sem sombra de dúvida que esse ano de 1988 foi o pior ano da minha vida: passado pouco mais de um mês, morreu-me a minha (ainda jovem) mãe, meu amparo, minha força e, pouco antes vimos ruir a empresa de família por obstinado capricho de um gerente de banco (não só por isso, mas também...)

Não dá para esquecer...

(As imagens foram retiradas do google; algumas do excelente blog Restos de Colecção)

domingo, 16 de agosto de 2020

Poema roubado a um amigo

 Desengane-se quem pensa que o facebook é só maledicência e vouyeurismo... 

Tudo depende dos amigos (facefriends, chamo-lhes eu...) que escolhemos e que, escolhendo-nos, aceitamos.

Este lindo poema foi mesmo roubado a um facefriend... 

Vejam se não é belo!






quarta-feira, 12 de agosto de 2020

No aniversário de Miguel Torga

Miguel Torga, poeta da força, da fúria, da rebeldia transmontana, da natureza, da vida, do Homem e do seu poder criador, o Orfeu Rebelde, nasceu em 12 de Agosto de 1907 em São Martinho da Anta, Trás-os-Montes. 

Para recordá-lo, deixo aqui este belo poema. Triste, mas belo.



quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Da felicidade

Por vezes penso que verdadeiramente a felicidade não existe. Mesmo quando todos aspiram ao estado de felicidade e quando tudo se escreve sobre os preceitos para o alcançar, a felicidade não existe. (Já a infelicidade - mesmo correndo o risco de que considerem um contrassenso – existe, perdura, derrama-se, pode levar-nos ao desespero.)

Acontecem(-me), por vezes e sem que se esperem, momentos breves de felicidade quando o nosso espírito quase flutua para fora do invólucro que somos nós deixando-nos de tudo esquecidos e entregues apenas à sensação que provocou o momento, a sós com a nossa imanência (se fosse crente diria a sós com Deus).

Como quando nadamos para longe e nos deixamos boiar livremente sobre a água verde, transparente e plana e deixamos que o sol nos envolve numa carícia. Nada de pensamentos – apenas a sensação.

O mesmo perante o inesperado aparecimento do arco-íris ou da compassiva revelação de um simples botão de rosa.

São os verdadeiros momentos de espanto (de que nos fala Raul Brandão) que nos fazem sentir que vale a pena viver.