quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

A Guida Maria

Fiz a minha 4ª classe num Externato privado na Parede – de que já não me lembro o nome – no ano letivo de 1957/58. A minha mãe dava lá aulas aos alunos da 2ª classe, turma onde tinha uma aluna que se chamava Guida Maria. Muito bonita, muito vivaça, muito alegre e divertida, com um olho azul muito expressivo, mas nem por isso muito boa aluna porque faltava muito às aulas para ir aos ensaios e para decorar os papeis das peças em que representava. Teria os seus sete/oito anos.




O colégio era frequentado por meninos e meninas “de família” por isso a Diretora, a Srª D. Maria Alice, minha professora, tinha certos cuidados na organização do colégio, nos serviços que prestava e nos eventos que realizava.

Lembro, com especial ternura, a festa de final de ano em que se representou uma peça de teatro muito completa e muito abrangente. O enredo era muito simples: uma avó fazia 82 anos e lamentava-se, sozinha, em palco, porque nenhum dos seus netos a visitava nesse dia. Depois, aos poucos, eles iam aparecendo e cada um trazia consigo um grupo que dançava ou cantava para a avó. As danças, os cantares e os poemas declamados cobriam quase todas as províncias de Portugal. Lembro-me que se dançaram o vira do Minho e da Nazaré, o corridinho do Algarve, o bailinho da Madeira e até o fandango sapateado do Ribatejo (que foi ensaiado pelo motorista do colégio que era ribatejano). Também houve bailado clássico e belas canções pelo coral.

Eu fui escolhida para representar a avó, de cabelo empoado e longo vestido e xaile negros e a minha primeira fala, ao abrir do pano, era: «82 anos… Como o tempo passa!» Depois, lá me lamentava por estar sozinha e ninguém se lembrar de mim naquele dia e aí aparecia a pequena Guida Maria, minha neta. Então desenrolava-se a peça, sendo nós duas as “responsáveis” pela chegada dos restantes netos com os seus grupos de animação da festa da avó.

Os nossos “ensaiadores” foram, nada mais, nada menos do que o ator Luís Cerqueira, pai da Guida Maria, e um cunhado daquele, tio da Guida, o Senhor Vaquinhas que era encenador.



A peça foi representada no antigo Casino do Estoril.



No final da representação, o pai e o tio da Guida Maria pediram à minha mãe que me deixasse seguir a carreira do teatro que eles me encaminhariam.

A minha mãe não deixou. (A sua grande aspiração era que a filha tirasse um curso superior e “fosse alguém”… )

Fui acompanhando à distância e a espaços a carreira da minha famosa colega até que ontem fui tristemente surpreendida pela notícia da sua morte.

Lamento que tenha partido com tanto ainda para dar.




9 comentários:

  1. Memórias lindas... Mas, com um final realista e triste.
    Abraço.

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  2. Era uma Mulher linda, Inteligente. Paz à sua alma

    Beijo
    Boa noite

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  3. Era uma mulher muito bonita e muito livre.
    Que viveu intensamente e partiu tranquilamente durante o sono.
    Beijinhos

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  4. Que belas recordações! E na hora da partida da Guida Maria, tanto para recordar! "A avozinha sem a visita dos seus netos..." Nos dias de hoje, os netos iriam visita-la mas, quem sabe, passariam o tempo todo mexendo nos TM's... Um texto maravilhoso!

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  5. Graça, que bom ler a Guida através de ti.
    Beijos e bom resto de semana.

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  6. Graça, que lindo texto!
    Nunca imaginei ver a Guida Maria tão bem admirada e elogiada nesta sua linda recordação.
    Parabéns.
    Beijinho

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  7. Memórias com ternura dentro delas -gostei bastante, creia.

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